Resumo

As toxinas produzidas por cianobactérias em ecossistemas aquáticos de superfície utilizados para abastecimento público constituem uma preocupação mundial, com casos de intoxicação relatados em diversos países. Em ambientes de água doce eutrofizados, florações de espécies de Microcystis são frequentemente observadas e, devido à sua ampla distribuição geográfica e capacidade de produzir toxinas, este é um dos gêneros de cianobactérias mais extensivamente estudados. Microcystis spp. são cianobactérias unicelulares conhecidas pela produção da potente hepatotoxina microcistina. No entanto, um estudo recente com a linhagem M. aeruginosa SPC777 isolada da represa Billings (São Paulo, SP) relatou a sua capacidade de produção simultânea da [L-ser7] microcistina-RR e da neurotoxina saxitoxina (goniautoxinas 1, 2, 3 e 4). Esse foi o primeiro relato de produção de saxitoxina (STX) por uma cianobactéria unicelular. Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo identificar e sequenciar genes envolvidos na biossíntese de saxitoxina na linhagem M. aeruginosa SPC777 e compará-los com outros existentes em outros gêneros de cianobactérias produtores de STX. Os genes sxtA, sxtB, sxtG, sxtH e sxtI foram investigados utilizando iniciadores de PCR específicos para a sua detecção. Os produtos de PCR desses cinco genes foram clonados, transformados em Escherichia coli DH5 e os transformantes positivos foram selecionados para sequenciamento Sanger. As sequências de nucleotídeos obtidas foram comparadas com o banco de nucleotídeos do NCBI, convertidas em aminoácidos e as funções das proteínas e os domínios preditos confirmaram a sua identidade como genes de STX sintetase. A análise filogenética desses genes mostrou que eles partilham a mesma história evolutiva daqueles encontrados em outros dois gêneros de cianobactérias produtores de STX que também foram isolados da represa Billings, o que sugere ocorrência de transferência lateral de genes entre esses organismos. No caso particular do gene sxtI, a sequência obtida, apesar de ter se localizado no mesmo clado das outras sequências de cianobactérias produtoras de saxitoxinas, formou um ramo independente na árvore filogenética, indicando que pressões seletivas podem ter causado mudanças em sua sequência de nucleotídeos ou que houve uma evolução independente. O presente estudo representa o primeiro relato de sequências de genes sxt em uma cianobactéria unicelular, contribuindo para o conhecimento da evolução da toxigenicidade no gênero cosmopolita Microcystis.